Eu realmente gosto de livros desse estilo. Vou colocar a historia que me fez chorar.
Papai Noel não existe
Atrasada para o início das audiências, não pude deixar de reparar na menina
sentada na porta da sala, ao lado de um senhor.
Vestida para uma festa, mal se mexia para não amassar a roupa. Aos dez anos, os
olhos brilhavam. A ansiedade era perceptível pelo movimento das perninhas que
não alcançavam o chão e balançavam sem parar.
Perdera a mãe aos cinco anos. Era criada pelo avô materno. Durante quatro
anos, seu Arlindo fez o que pôde pela neta. Era lavrador. Do seu trabalho tirava o
mínimo para a sobrevivência. Com as necessidades da criança aumentando, faltou
dinheiro para o seu sustento.
Agora, ela precisava de uniforme, de sapato, de uma roupinha melhor.
Ele segurou sozinho enquanto possível. Quando ameaçou faltar comida, fez o
que já era para ter sido feito há quase uma década: entrou com um processo de
investigação de paternidade. A neta tinha um pai e ele devia contribuir com algum
dinheiro. Preferia violar a promessa que fez à filha de nunca procurar Emerson a
ver Jade passar fome.
Fizeram o exame de DNA e compareceram à audiência. O avô, antes mesmo de
verificar o resultado do laudo, mandou a neta se arrumar para conhecer o pai.
— Sim, era aquele moço que estava no hospital quando foram tirar sangue. Ele
não falou com você porque não sabia que era o seu pai. Mas agora ele vai saber.
Emerson chegou atrasado. Franzino, aos 26 anos, mais parecia um irmão
adolescente de Jade.
Como já estava um pouco atrasada com a pauta e o exame de DNA foi positivo,
abreviei a conversa.
— Vocês já devem ter visto o resultado. O senhor trabalha com o quê?
— Como assim?! Eu sou o pai?! — perguntou, aflito, o rapaz.
Confirmado o fato, Emerson começou a chorar convulsivamente, segurando a
cabeça entre as mãos e evitando olhar para a menina.
— Não pode ser! Não pode ser! — gritava descontrolado.
Imediatamente, pedi a Jade que esperasse no cartório. Os funcionários cuidariam
dela enquanto eu tentava entender aquela reação inusitada.
Tremendo muito, balbuciava palavras incompreensíveis. Esperei que se
acalmasse e disse:
— Rapaz, não precisa desse show. Você fez um exame. Sabia que a menina podia
ser sua filha. Para que esse comportamento agora?! Parece um adolescente...
— Doutora, eu não quero, não posso ter filha. Acabei de casar. Não pode ser
verdade!
Não foi fácil retomar a palavra. Os soluços de Emerson interrompiam qualquer
tentativa de diálogo. Aguardei mais um tempo e prossegui:
— Você conhecia a mãe de Jade? Se relacionou sexualmente com ela há dez
anos?
— Eu tinha 16 anos, doutora! Ela era muito mais velha que eu. A gente morava
perto. Eu nunca tinha feito aquilo. Ela me atiçou, me provocou. Dizia que eu não
era homem. Quando eu saía da escola, ela me esperava, me levava pra casa dela...
Eu era um menino! Como é que eu podia adivinhar que aquela barriga que ela
botou era minha?! — E continuou: — Nunca mais eu soube dela, nem de filha
nenhuma. Ai, minha Nossa Senhora!... Minha mulher não vai acreditar em mim.
Cabisbaixo, o avô de Jade, envergonhado, falou baixinho:
— Ela não era moça comportada, não, doutora. Não posso tirar a razão dele. Ela
foi pra minha casa ter a menina e nunca quis procurar o pai. Eu jurei pra ela que
nunca ia contar pra ele, mas a menina tá precisando. Eu não tenho condições de
continuar com ela. Se ele não ajudar, a senhora resolve como é que vai fazer... eu
não posso mais ficar assim desse jeito... diz que tem uns internatos que a senhora
pode mandar...
Foi com uma dificuldade enorme que, depois de algumas horas, consegui fazer
Emerson entender que era necessário registrar a filha. Não era culpa dele. Muito
menos da menina. Toda criança que nasce tem direito a um pai e uma mãe. Ele
concordou.
Os pais têm obrigação de sustentar seus filhos. É da lei. Mais do que isso, é um
comando natural. Nenhum bicho deixa o filho morrer de fome. Ele trabalhava.
Podia sustentar a filha. Embora intransigente no começo, assentiu com a proposta.
Com a mulher ele se entenderia. Era só dizer a verdade.
Quando tudo parecia estar resolvido, emergiu o maior e mais difícil conflito do
processo: Jade estava no corredor. Queria conhecer o pai. Queria passear com ele.
Só falava nisso desde o exame de DNA.
— Eu vou registrar, vou pagar a pensão, mas, pelo amor de Deus, doutora, eu
não quero ver a menina.
Fiquei desesperada. Pela primeira vez, em toda a minha vida profissional, eu não
tinha a menor ideia do que podia fazer. Sempre tive um discurso articulado no
sentido de que se um homem não quer um filho, que use camisinha ou faça uma
vasectomia. Mas aos 16 anos e naquela história? Impossível.
Ele não era obrigado a conhecer a filha ali. Não era obrigado a desejar uma
aproximação com uma criança que, para ele, era a representação de um
relacionamento forçado do passado.
Eu já havia visto muitas mulheres passando por uma situação parecida, mas um
homem era a primeira vez.
Embora algumas decisões da justiça digam que o amor e o cuidado são
obrigatórios e sua falta pode ser ressarcida com dinheiro, esse nunca foi meu
entendimento. Jamais compreendi de que maneira a patrimonialização do afeto
pode recompor um conflito ou reconstruir relações familiares esgarçadas.
Fico sempre com a sensação de que, nesses casos, quem tem dinheiro tem
direito ao desprezo com pagamento à vista.
Refletia sobre isso, enquanto Jade, no corredor, esperava para conhecer o pai.
Deve ter idealizado aquelas cenas de programa de domingo, com uma música ao
fundo, um abraço apertado e lágrimas para coroar as perdas que já experimentara
ao longo da vida.
Não tive dúvidas: pedi licença ao defensor e convidei Emerson para falar em
particular no meu gabinete.
Ainda soluçando, ele repudiava qualquer aproximação.
Fiz um apelo verdadeiro:
— Cara, eu imagino o que você está passando e o que está sentindo. Eu não sei
como vou dizer para aquela menina linda que se arrumou toda para conhecer o pai
que você não quer saber dela. Chamei você aqui porque não tenho coragem de
fazer isso.
Ele chorava. Eu chorava. Prossegui:
— Você vai me fazer um favor. Vou chamar ela aqui no gabinete, sem mais
ninguém por perto. Posso ficar, se você preferir. Vamos, juntos, explicar para ela
que tudo isso é muito novo, que você está surpreso, mas que o tempo vai ajudar.
Depois, você pode ir embora.
Emerson reagia como um menino desprotegido e com medo. Implorei:
— Emerson, você é muito novo, mas a Jade tem só dez anos. Já perdeu a mãe.
Faz um esforço, por favor! Engole esse choro.
Jade entrou. Eu falei por ele sobre o reconhecimento da paternidade, a pensão e
sobre o tempo necessário para uma aproximação.
Mesmo sem capacidade para perceber a densidade da situação, Jade, confrontada
com a verdade, assimilava e entendia o que ouvia. Parecia uma criança diante da
revelação já conhecida de que Papai Noel não existe.
Num esforço sobre-humano, Emerson acariciou a cabeça da menina e com um
beijo, sem olhá-la nos olhos, despediu-se.
Abracei Jade apertado. Elogiei muito o seu vestido e a sua inteligência. Custei a
me recompor para retomar as audiências. Nunca me senti tão triste e tão
impotente.

(lelivros.com)